Nhoque de “Pão duro”

Sara Puerta
2 min readDec 2, 2020

Era tão pão duro que calculava o valor da bolinha do nhoque com uma regra de três: “É simples! Basta contar a quantidade de bolinhas que vem por pacote e depois dividir pelo valor do pacote, aí sai o valor de cada uma”

Os minutos de silêncio antes de comer eram para fazer contas do quanto foi gasto.

Olhava o molho, tentava calcular o quanto de gás para apurar, os sachês de molho de tomate, os temperos…mas nada superava a cisma era com o valor da massa. Costumava trocar de marca sempre buscando aquela que tivesse melhor custo-benefício.

-“Massa artesanal?” Já viu o absurdo que dá por bolinha?”

Uma vez em um almoço de família propuseram um ritual chamado “Nhoque da Fortuna”, no dia 29 de um determinado mês. Ele chegou a tremer ao ouvir o nome. Para ele, o ritual virou maldição quando soube o valor da massa. “Impossível ter qualquer fartura depois de uma esbanjação dessa. É o Nhoque da Pobreza, isso sim!”

“Não me enterrem. Prefiro ser cremado, é mais barato!” — repetiu aquele dia e depois em outros. Achava heroico dizer aquilo. Ninguém ria.

Uma vez foi em uma psicóloga, porque essa mania de economia “na unha” estava afetando o casamento Quando a psicóloga estava começando a achar que se tratava de TOC ou alguma outra neurose, como ela pediu que as sessões passassem de uma por mês para quinzenais, ou, preferivelmente, semanais, ele logo arranjou uma desculpa para abandonar a terapia.

Quando alguém criticava sua atitude de contenção de gastos dizia que era herança da família, que foi sobrevivente da guerra. Só que nenhum dos seus antepassados foi à guerra. A única guerra que ele sempre trava acontece quando tenta explicar seus argumentos para o cálculos de nhoque. Perde todas. Mas se sente vitorioso a cada vez que encontra uma marca mais vantajosa.

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Sara Puerta

Nem tudo é sobre mim. Mas tem muito do que eu vejo.