A trama excêntrica e dolorida de Physical

Sara Puerta
2 min readOct 28, 2021

Precisamos ser sempre coerentes? Precisamos estar definidos simplesmente entre bom ou mau? O que não revelamos é de fato o que somos?

São esses questionamentos que fazem de Physical (2021), disponível na Apple Tv+, transitar entre uma ótima comédia, mas com uma dose imensa de drama humano.

A série é ambientada nos anos 80, em San Diego, com parte dos personagens centrais, vivendo a ressaca dos anos hippies, de militância — enfim, os ativistas envelhecem. Também.

E do outro lado da trama, estão os conservadores e republicanos neoliberais, disputando eleições com esses “socialistas”. Existem ainda os ricaços, as redes de fast-foods, os shoppings, os esquerdos-machos ( ainda que sem esse nome, já que variante de machistas foi batizada assim muitos anos depois) tudo isso compondo o mundo da protagonista Sheila Rubin( interpretada por Rose Byrne) uma mulher que t-i-n-h-a um futuro promissor e agora está entediada com afazeres e familiares, com crise de idade, sempre com uma crítica interna afiada em relação aos outros, a si mesma e ao seu corpo. Esse grilo falante a maltrata o tempo todo.

Nessa hora, parece que ficam esquecido o feminismo daqueles anos. Além dessa aparente submissão, Sheila inclui secretamente em sua rotina o consumo de hambúrgueres, batata frita, milk shake, pra depois provocar vômito. É isso. Não é spoiler: a protagonista é bulímica. E é isso que torna a história mais profunda. Apesar de poder ter muitas lutas, com tudo que acontece a sua volta, é a relação tóxica da personagem com a comida que estrutura os acontecimentos.

Quem já sofreu (ou sofre) com um transtorno ou vício sabe que depois de cada episódio de descontrole, de recaída, a promessa é que “aquela foi a ultima vez e que daqui pra sempre tudo será diferente”. E, na imensa maioria das vezes, não é.

Em determinado momento, após tantos episódios de compulsão e vômitos, gastos desnecessário com junkie food, eis que surge a aeróbica, esse fenômeno comportamental oitentista, bem mais que o cross fit de hoje.

Entre collants sobrepondo leggings brilhantes, sombras coloridas e cabelos volumosos, a compulsão começa a perder espaço em sua vida e a prática de aeróbica se transforma em sua nova obsessão. Sheila nem se preocupa com quem ou o quê tem que passar por cima para poder desfrutá-la.

Todos os personagens dessa trama excêntrica tem segredos, escondem suas sombras, sendo Sheila, a que extravasa suas dores com vômitos, a mais sincera e autêntica deles.

Physical é uma viagem aos anos 80, que na verdade representa o “ tudo era mato” de muitas coisas e comportamentos de hoje, com muitas doses de acidez e deboche aos dramas e incoerências humanas.

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Sara Puerta

Nem tudo é sobre mim. Mas tem muito do que eu vejo.